Nas últimas duas décadas, as ramificações sociais e econômicas das vias urbanas foram destacadas à medida que uma grande parte dessa infraestrutura de meados do século chega ao fim de sua vida útil, suscitando conversas sobre seu papel no planejamento urbano contemporâneo. A remoção das vias expressas implica na substituição da infra-estrutura de transporte por novos desenvolvimentos urbanos, amenidades verdes e redes viárias alternativas para promover um ambiente urbano mais saudável e um crescimento inteligente. Em alguns casos, a ideia de remoção é recebida com preocupação sobre o potencial aumento do tráfego e a gentrificação das áreas adjacentes à via, mas a pandemia exacerbou ainda mais a necessidade de espaços públicos de qualidade e colocou em questão, mais uma vez, a hegemonia do carro. A seguir, destacam-se vários projetos de remoção de vias expressas, discutindo como essas intervenções restauram o tecido urbano, reordenam comunidades e recuperam espaços urbanos para os habitantes da cidade.
Existe um consenso amplamente difundido entre os urbanistas hoje de que adicionar mais infraestrutura de transporte não resolve o congestionamento do trânsito. As áreas urbanas poluídas e congestionadas mostram as deficiências do paradigma do século XX de priorizar o tráfego de carros, com os benefícios aclamados em meados do século não se materializando totalmente. As rodovias criam desconexões no tecido urbano e impulsionam o desinvestimento nas áreas por onde passam. Em várias cidades, os tomadores de decisão e as comunidades procuram corrigir estas repercussões e encontrar um melhor uso para os terrenos urbanos ocupados pelas grandes vias.
Há alguns meses, Nova York anunciou planos para derrubar a rodovia I-81. A iniciativa é a mais recente de uma série de planos para demolir ou redirecionar rodovias elevadas que cortam comunidades em todos os Estados Unidos e agora estão chegando ao fim de sua vida funcional. "Reconectar bairros cortados por vias elevadas é uma pedra angular de nossa ousada visão de infraestrutura para uma Nova York melhor", disse a governadora do estado, Kathy Hochul. Os Estados Unidos poderiam facilmente ser considerados à terra das auto-estradas. O país viu um boom na construção de rodovias nas cidades nos anos 50 e 60, destinadas a diminuir o tempo de deslocamento entre os subúrbios e os centros da cidade. Estas obras maciças de infraestrutura levaram à destruição de bairros, à segregação racial e a uma dependência excessiva dos carros. À medida que as rodovias chegam ao fim de sua vida útil, as cidades dos Estados Unidos precisam decidir se irão reconstruí-las ou removê-las. Mais de 30 cidades americanas estão atualmente avaliando a remoção das rodovias, enquanto a administração alocou um orçamento para ajudar a reconectar bairros divididos por esse tipo de infraestrutura.
Repensando o tráfego
O Congresso para o Novo Urbanismo identificou vários princípios que sustentam os planos de remoção de rodovias bem sucedidos, começando pelo enraizamento dos planos nas prioridades da comunidade. Uma abordagem para a remoção de rodovias é substituir as vias expressas por avenidas ou uma rede de ruas que restauraria o tecido urbano e, ao mesmo tempo, conduziria o tráfego. Para a rodovia Syracuse I-81, as autoridades decidiram substituir a rodovia por uma rede de ruas que retardará o tráfego através do bairro e potencialmente estimulará o desenvolvimento na área. Esta abordagem "rodovia para avenidas" aumenta o investimento nas áreas adjacentes e melhora a saúde da comunidade, sendo menos prejudicial às necessidades de tráfego.
Recurso espacial inexplorado para infraestrutura verde e espaços públicos
Em 2005, Seul removeu uma rodovia elevada e restaurou o fluxo de água que havia sido canalizado com placas de concreto. A restauração da área de Cheonggyecheon com 11 quilômetros de extensão foi parte da estratégia da cidade para reintroduzir a natureza no ambiente urbano, destacar a história do lugar e fortalecer o desenvolvimento da área comercial ao redor. Como esperado, o parque linear resultante levou à redução do efeito ilha de calor e a uma diminuição da poluição do ar. Da mesma forma, Madri converteu sua auto-estrada M-30 em uma via enterrada com um parque linear de seis quilômetros no topo.
Nem todas as auto-estradas urbanas são estruturas elevadas, e as que estão abaixo do solo apresentam um tipo diferente de oportunidade para as cidades, limitando a autoestrada para reconectar o tecido urbano. No centro de Dallas, uma seção da rodovia foi coberta para criar o Parque Klyde Warren, um novo espaço público que mudou drasticamente a cidade. Em 2019, o Bjarke Ingels Group explorou a ideia de cobrir a Via Expressa do Brooklyn Queens com uma estrutura de deck que acomodaria um parque público. O projeto não teve apoio político, e no ano passado, as autoridades decidiram adiar qualquer decisão significativa e simplesmente realizar a manutenção básica da infra-estrutura.
Em Paris, Voie Georges Pompidou ou a Via Expressa Pompidou percorria a margem direita do Sena, ligando a Boulevard Périphérique à cidade. Em 2002, foram dados os primeiros passos para converter a via em uma praia ao longo do rio, fechando a via expressa durante um mês a cada verão até 2010, quando foram revelados planos para fechá-la permanentemente e substituí-la por uma zona pedonal. A área agora conta com um passeio para pedestres acompanhado de espaços dedicados a atividades esportivas.
Desbloqueio de terrenos valiosos para o desenvolvimento
Algumas cidades veem a remoção de rodovias como uma oportunidade para que a cidade se desenvolva para dentro e densifique o centro. Em Rochester, Estados Unidos, uma seção do Inner Loop, uma estrada afundada de seis pistas que separa o centro da cidade, foi coberta e substituída por uma avenida mais estreita. O restante do terreno foi aberto para o desenvolvimento urbano e atualmente possui edifícios de apartamentos e vários projetos em construção. O esquema faz parte da estratégia da cidade para reverter o declínio populacional, criando bairros atraentes que atrairiam investimentos e novos moradores para a área.
Apesar deste ethos de restaurar o tecido urbano, aproveitar a oportunidade para introduzir mais infra-estrutura verde e recuperar o espaço público, bem como destacar os benefícios para a saúde pública, algumas cidades ainda estão considerando construir novas rodovias urbanas ou expandir as existentes (Colorado planeja expandir sua rodovia, ao mesmo tempo, em que atende suas metas climáticas). Embora nem todos os projetos de remoção de rodovias tenham o mesmo valor para as comunidades locais, é essencial reconsiderar a infraestrutura de transporte através das lentes dos valores do planejamento urbano contemporâneo, especialmente à luz dos atuais desafios climáticos. As rodovias urbanas representam um potencial espacial inexplorado para as cidades desenvolverem estratégias de desenvolvimento mais sustentáveis e orientadas para a comunidade.